Cuidaremos de demonstrar os institutos da Ação, da Jurisdição e do Processo, todavia sem o objetivo de esgotar-se o tema. O artigo possui uma abordagem de caráter inicial quanto ao Direito Processual, propondo menos uma dissertação rigorosamente inovadora do que um esclarecimento eclético aos leitores.
Palavras-chave: Direito, Propedêutica de Ciência Processual, Ação, Jurisdição, Processo.
Introdução
A Constituição Federal é a Lei Magna que objetiva nortear todo o Estado brasileiro, organizando suas instituições, prevendo igualmente seus fundamentos, seus objetivos, bem como os direitos e garantias fundamentais e gerais.
Da Constituição advêm as Leis Infraconstitucionais, hierarquicamente inferiores, portanto, que disciplinam matérias públicas e privadas, cada qual em forma de Códigos, Estatutos, assim como Complementos específicos de determinada área do Direto.
O Direito, quer em Constituição, quer em demais leis ordinárias são de ordem material e formal. A Lei processual é, por assim dizer, formal, porque atua de modo mediato aos direitos materiais dos jurisdicionados. Por outras palavras, é meio de concretização da lei material ou substancial.
De igual modo, são regras e possuem efeito erga omnes. São fundamentais à satisfazer os direitos dos jurisdicionados, disciplinando-se o sistema processual. O processo, em princípio, deve ser instrumento capaz de permitir a realização do direito material. Vê-se, pois, que ninguém pode ser privado de seus bens ou liberdade sem o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF).
Os institutos ora apresentados, portanto, são integrantes dodireito formal, isto é, peculiares a satisfazer o direito material, e, por isso mesmo, hão de fornecer garantias fundamentais, em consonância, principalmente, com aConstituição Federal, de modo a contemplar um processo justo, idôneo a dar às partes litigantes meios seguros para discussão e realização de seus direitos.
1. Da Ação
O instituto da Ação de há muito é objeto de reflexões. Desde meados do século XIX (1856) vem sofrendo modificações quanto à sua definição [1]. Inobstante, de conformidade com modernidade do não só direito processual, mas do Direito enquanto ciência social, entendemos sê-la dicotômica, quer pelo aspecto principal da faculdade do Autor em movê-la, quer por sê-la um seu direito constitucional fundamental(art. 5º, inciso XXXV, CF, c/c art. 1º, do NCPC).
Num delineamento preliminar, os direitos dentro do ordenamento jurídico se apresentam como objetivos ou subjetivos (norma agendi ou facultas agendi).
Os direitos objetivos são as previsões que permitem ou restringem os comportamentos, ou seja, são regras e instituições genéricas, que em si mesmas autorizam ou não os indivíduos a fazer algo ou se abster de fazê-lo.
Enquanto que o direito subjetivo é a faculdade que tem o indivíduo de agir ou não, em razão de seu direito objetivo. Assim, o direito subjetivo é o exercício da vontade, qualificada pelo direito objetivo, prescindindo-se de dever. Se não há direito objetivo, não se pode existir a subjetividade do exercício, porque ilícito ou ilegal.
Um exemplo deveras esclarecedor para distinguir os doistipos de direito, isto é, o objetivo do subjetivo é que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II, CF).
Com efeito, esse dispositivo constitucional merece atenção. Não se depreende que pela ausência de lei, não exista odireito subjetivo. Essa garantia fundamental da Constituiçãoé um direito objetivo e subjetivo, porque prevê a obrigação de fazer ou não fazer, e, por consequência, permite-se asubjetividade dos indivíduos a agir ou abster-se (direito subjetivo), consoante a lei ou em virtude de sua omissão (direito objetivo).
No Direito Processual, destarte, a Ação se inicia por um ato manifestado pela faculdade do sujeito, que possua, ou que se pleiteia a satisfação de um direito objetivo resistido, entregando-lhe à Jurisdição estatal, na intenção de cessar a resistência.
É o exercício, por assim dizer, de um direito subjetivo público, necessariamente imantado pelo direito objetivo, e que há de se observar requisitos condicionantes a estabilizar e adesenvolver o processo (condição da ação – art. 17, NCPC).
Logo, o direito subjetivo é a faculdade de ingressar, na medida em que a Ação é sua realização plena de viés constitucional, ou seja, o ingresso em essência que se lhe propõe a criar uma relação jurídico-processual, vinculando-se as partes para o estabelecimento e desenvolvimento dumprocesso; em busca de uma tutela jurisdicional justa [2].
Ação é, pois, um direito público subjetivo constitucional [3]exercitado para um processo justo [4], com a finalidade desatisfação de determinada tutela, observados, no entanto, os requisitos e formalidades para sua admissibilidade dos quais a legislação processual impõe, como o interesse de agir e alegitimidade (art. 17, NCPC) [5].
Inobstante, veremos que o Estado possui o monopólio jurisdicional, ou seja, concentra-se-lhe o poder, a função e o exercício de composição da lide, pacificando as relações conflituosas, e, conseguintemente, vedando a autotutela.
A autotutela, como diz DINAMARCO (2009, p.56) é “espécie egoísta de autocomposição unilateral, é antissocial e incivilizada, razão por que em princípio a lei a proscreve e sanciona (CP, art. 345, crime de exercício arbitrário das próprias razões). Ao próprio Estado é vedada a autotutela em muitas situações (p. Ex., efetuar descontos nos vencimentos de seus funcionários sob a alegação de danos causados ao patrimônio público)”.
Pode-lhe ocorrer, contudo, são casos excepcionais nos quais a lei lhe há de autorizar – como, v. G., o exercício do direito de retenção, o desforço imediato a uma moléstia possessória, e, em geral, os atos indispensáveis à preservação de direitos.
Por conseguinte, o Estado em se vetando a autotutela, exsurge-se a conveniência e a oportunidade para o Autor, ex potestate legis, ou seja, que, em virtude da força normativa, alça-se seu direito público subjetivo de viés constitucional, para, em querendo, iniciar-se, com a Ação, um processo em busca de uma satisfação justa de sua pretensão.
2. Da Jurisdição
Jurisdição dentro do Direito Processual não se confunde com competência, ou território em sentido próprio. Vulgarmente diz-se se tal ou qual Órgão Público possui “Jurisdição” ou não, porém, no sentido de territoriedade. A assertiva adequada é se lhes são competentes a realizar atos públicos por meio daJurisdição, e qual seria a extensão de seus efeitos/exercícios jurisdicionais dentro de um determinado território ou região.
Posto isto, etimologicamente [6], Jurisdição provém do latimjuris ou iuris com dictio, isto é: dizer do direito.
Portanto, o Órgão Público, a exemplo dos Tribunais Superiores (STJ e STF), possuindo Jurisdição em todo território nacional, diz-se que seus atos, seus dizeres possuem força e legitimidade nacional dentro da Federação. Isto é, suafunção de julgar e dizer é válida e extensiva a todos os Estados-membros da Federação, todavia, não necessariamente vinculante (STF).
A Jurisdição, assim sendo, adere-se ao Poder Político [7](poder jurisdicional). Como a regra, quase absoluta, é de que a ninguém incumbe fazer justiça pelas próprias vias (art. 345,CP), o Estado é o detentor de tal direito-dever, monopolizando-se o processo que visa entregar ao sujeito o direito pleiteado ou não, e, principalmente, findar a controvérsia. O Estado captura o monopólio jurisdicional, isto é, somente por meio dele é possível praticar a composição dos conflitos sociais, pelo processo – ressalvadas as hipóteses excepcionalíssimas de autotutela.
Sob um prisma distinto, trata-se de uma qualidade queobrigatoriamente o Juiz se há de investir para realizar seu provimento. Afora o juiz de paz, inconcebível haver um magistrado sem Jurisdição. O Estado-juiz, inafastavelmente[8] há de resolver todas as controvérsias que lhe são submetidas, exercendo sua função jurisdicional. Esse é um dos aspectos de seu poder, unívoco e distribuído entre suas Instituições.
Outrossim, o Autor que ingressa com uma Ação, move-lhe de uma vez só; contudo, mediatamente contra o Estado, e formal e imediatamente em face do Réu, posto que aquele ao prescrever suas regras, objetivos, e, máxime, ao ser o exclusivo detentor da Jurisdição, é responsável perante às ingerências e aos dissabores suscitados no seio social.
A Jurisdição, por conseguinte, é por um lado uma função e um poder do magistrado, que age e a exercita; e, por outro, é apossibilidade de concretizar e compor os direitos que possuam algum confronto ou resistência. Daí surge o provimento jurisdicional e a tutela jurisdicional.
O provimento jurisdicional é o ato sentencioso que finda o litígio, sem necessariamente conceder o que pretende o Autor. Dá por extinto o processo, resolvendo a lide pela procedência ou improcedência, tornando-se a matéria deduzida em Juízo insuscetível de futuras discussões, fazendo a coisa julgada.
Já a tutela jurisdicional ocorre em razão de um provimento judicante com procedência total ou parcial da pretensão do Autor. É a concessão do direito no limite de seu pedido [9], reconhecendo-se-lhe em virtude do convencimento livre e motivado do juiz.
Portanto, quando se pede inicialmente numa Ação, pretende-se uma tutela [10], a qual será ou não procedida pelaatividade jurisdicional.
Donde se infere, até o momento, que a Ação é o direito público subjetivo fundamental-constitucional exercido pelo Autor, o qual se roga contra o Estado em face do Réu, pretendendo-se a concessão ou confirmação justa de seu direito (tutela satisfativa). De igual modo, que exclusivamente a Jurisdição é um Poder, uma Função, e um Exercício exclusivos do Estado-juiz, legitimando-o a resolver as controvérsias, na medida em que o provimento final fazcoisa julgada, independentemente da procedência ou improcedência da tutela deduzida em Juízo.
3. Do Processo
Principia-se a elucidar a oportuna diferenciação entreprocesso e procedimento.
O Processo é um sistema e, por isso mesmo, é-lhe dinâmico. Por ser tal, é um conjunto de regras e princípios que abarca a completude de procedimentos e suas fases, tramitando inexoravelmente para frente; e se coligando a um destino terminativo, para a composição plena e justa da controvérsia.
Por outras palavras, é um instrumento de sucessivos atos procedimentais que objetiva solucionar a lide, consoante os princípios, direitos e garantias fundamentais, devidos e, por consequência, legais.
Pode ser considerado ambivalente quanto ao seu movimento, em razão da possível tramitação horizontal e vertical das Instâncias do Poder Judiciário, observando, porém, todas as formalidades que lhe são inerentes, como, p. Ex., a fase a fasede seus procedimentos, isto é, a sucessão de atos processuais, sob pena de preclusão de todos aqueles que lhe são submetidos em momentos inadequados ou extemporâneos.
Sob o ângulo dos procedimentos, são integrantes do sistema processual, indispensáveis à sua existência e movimentação, que coexistentes formam o processo em sua essência orgânica.
Procedimento vem do latim procedere, ou seja, significaprosseguir. Daí ser ato e meio ao mesmo tempo, que se exterioriza com seu encadeamento, materializando o processo.
Dessarte, o processo é conjunto de elementos essenciais que se preconiza por meio de normas e princípios garantidores do ordenamento jurídico, de tal arte a permitir a resolução da controvérsia pelo exercício jurisdicional. Possibilita, igualmente, uma discussão dialética justa, máxime, por intermédio de sua instrumentalização, por não ser-lhe um fim em si mesmo, mas senão um meio de alcance de direitos, assim como de objetivos constitucionais.
Por conseguinte, o processo deve observar a instrumentalidade e coerência, garantindo a equidade das partes, assim como ser meio idôneo à pacificação social, e, não, ao revés, sê-lo um fardo aos jurisdicionados que aspiram ao fim de seus entraves sociais. Demais, para um processo serjusto e efetivo, por assim dizer, devido e legal, imprescindível haver cinco elementos fundamentais: normas e princípios garantistas às partes, moderação do intervencionismo do Estado, motivação e convencimento idôneo do magistrado, e, por fim, uma decisão efetiva e justa adequando o direito abstrato às peculiaridades do caso concreto.
Conclusão
Primeira: Ação, Jurisdição e Processo são indispensáveis ao Estado, já que este monopoliza o direito-dever de distribuição da Justiça, concentrando-se-lhe a resolução dos conflitos, de sorte a viabilizar a manutenção do bem-estar.
Segunda: Em se havendo tutela jurisdicional, torna-se procedente a pretensão, e não a Ação do Autor, porquanto esta é uma faculdade exercitada em busca de uma satisfação; enquanto aquela é a confirmação ou criação de direito deduzido e discutido em Juízo, ou seja, pelo processo, e, necessariamente satisfeita pelo poder jurisdicional.
Terceira: Que a Ação é uma faculdade exercitada, um direito constitucional fundamental que se concerne à plenitude dos jurisdicionados, ao passo que a Jurisdição é um poderexclusivo do Estado, exercido por sua atividade judicante.
Quarta: Que o Processo é um sistema, repleto de atos sucessivos, objetivando a composição das controvérsias de modo justo e igualitário, observando-se regras e princípios do ordenamento jurídico. Que se destina, igualmente, à pacificação social.
Quinta: Que não há Processo sem Ação, tampouco semJurisdição.
Referência Bibliográfica
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DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª Edição. São Paulo, Malheiros, 2009.
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 52ª ed. São Paulo, Forense, 2011, v. I.
NOTAS
[1] Quanto às Teorias suscitadas historicamente, consignamo-las cronologicamente: Teoria Civilista, Teoria do Direito Concreto à Tutela, Teoria do Direto Potestativo, Teoria da Ação Abstrata, Teoria Eclética, e a Teoria Neoprocessualista.
[2] Satisfação do pedido deduzido pelo Autor. Adiante, diferenciaremos a tutela e do provimento jurisdicional – Capítulo II, § 8º.
[3] Sem prejuízo de que, a partir de sua admissibilidade, seja regulada pela Lei Infraconstitucional, visto que sua causa é Constitucional. Logo, a Lei Processual absorve um direito Constitucional, observando-se não só sua hierarquia, mas ainda seus efeitos sociais e políticos.
[4] Definição moderna do devido processo legal (due process of law).
[5] Embora entendemos que o direito da Ação, para ser pleno e estar de conformidade com os objetivos sociais e políticos do Estado, assim como com a estrutura dos efeitos da norma jurídica, há de prescindir-se de condições. Num exame perfunctório, indagamos ao estudioso do Direito: como um direito é se condicional for? Da mesma forma, quanto à existência de um direito pela norma, ininteligível existir meio dever-ser. (aja mais ou menos). Esclareça-se, pois, o direitonão se confunde com a norma, visto que esta é uma hipótese geradora daquele (se tem direito pela norma).
[6] Ressalta-se, pois, diferindo dos conceitos científicos daiurisdictio, os quais, grosso modo, estudam a finalidade estrita da judicatura, seu alcance social, e seus objetivos precípuos.
[7] Poder Político compreendido, pois, da prerrogativa e característica do Estado Democrático de Direito, exteriorizando-se-lhe essencialmente por uma força coercitiva, de sorte a obrigar o povo a fazer ou não fazer algo, em razão do bem público.
[8] A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, CF). Adota-se, igualmente, a lógica da inafastabilidade da apreciação, pelo seguinte dispositivo: quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (art. 4º, LINDB). Ou seja, ainda que haja ausência normativa, é defeso à autoridade judicante afastar-se de semelhante apreciação, já que existente oportunidade de autointegração das normas ao caso concreto, utilizando-se da analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito, respectivamente. Neste caso, cuida-se de Jurisdição deequidade, e não de direito em sentido estrito. Vê-se, contudo, tratar-se de exceção da judicatura, porque ao juiz só compete decidir “por equidade nos casos previstos em lei” (art. 140,parágrafo único, NCPC).
[9] “O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte” (art. 141, NCPC).
[10] “É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito” (art. 20, NCPC).