A mudança do bem jurídico “costumes” para a dignidade sexual, alterou a proteção estatal dos delitos sexuais?

1- INTRODUÇÃO

Em meio as diversas mudanças ocorridas na sociedade diante de seus costumes e valores, os legisladores também perceberam a necessidade de alterar o código penal, com a efetivação da lei 12.015/2009 que modificou o título VI do código penal, tendo em vista que outrora o título “Dos crimes contra os costumes”, já não condiz com a época atual, pois não servia para sancionar o crime contra o estupro e nem tão pouco protegia os menores que passaram a sofrer crimes, a denominação de hoje abrange todos as pessoas, passando assim a denominar-se “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Vale ressaltar, que para alguns doutrinadores o título de outrora não elencava questões coletivas, mas contra a dignidade sexual dos vitimados. Dessa forma, o novo título está em consonância com aConstituição Federal de 1988 que traz no seu artigo 1º, inciso III, a dignidade humana como principio fundamental da pessoa humana.

Não podemos negar que a mencionada lei não impediria as dúvidas no que diz respeito ao atentado violento ao pudor, mas, por consequente, garantiu em nossa sociedade a dignidade sexual.

A Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, além de revogar o artigo 214 doCP que previa figura típica do atentado violento ao pudor, mas não incorporou a conduta então prevista no artigo 213 do Estatuto penal, sob o nomen iuris estupro. A partir dessa nova definição, o delito de estupro é constituído não apenas pelo constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, à prática de conjunção carnal, mas também pelo ato de constranger a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique atos libidinosos diversos da conjunção carnal, o que, antes da Lei 12.015/09, constituía elementar normativa do delito de atentado violento ao pudor Trouxe algumas modificações, relativas, em parte, ao Código Penal e à Lei de Crimes Hediondos. Antes dessa alteração, o Título VI do Código Penalse denominava “Dos crimes contra os costumes”. Depois, com a entrada em vigor da lei, passou a se chamar “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Resumidamente, com a nova lei, procedeu-se à alteração do tipo penal do estupro, que, agora, congrega, em um mesmo dispositivo, as ações anteriormente capituladas como atentado violento ao pudor, bem como à revogação da presunção de violência. Igualmente, foram confeccionados outros tipos penais autônomos e ainda modificada a natureza da ação penal.

Antes, a lei penal não interferia nas relações sexuais normais dos indivíduos, mas reprimia as condutas anormais consideradas graves que afetassem a moral média da sociedade. O foco da proteção jurídica foi mudado. Não se tem em vista a moral média da sociedade, o resguardo dos bons costumes, isto é, o interesse de terceiros, como bem jurídico mais relevante a ser protegido, mas a tutela da dignidade do indivíduo, sob o ponto de vista sexual, em consonância com o perfil do Estado Democrático de Direito. O objeto jurídico recebeu uma nova concepção com a evolução da sociedade. (CAPEZ, 2010)

Houve, realmente, uma harmonia entre o Título VI do Código Penal com a CF/88. Na verdade, a proteção à dignidade sexual decorre do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto na própria Constituição, considerado como um postulado ativo e garantidor de direitos e deveres do ser humano, desde sua liberdade sexual, sua integridade física, sua vida, moral, honra, etc. A Lei 12.015/09 criou três modalidades de qualificadoras para o crime de estupro. As duas primeiras, previstas no § 1º do artigo 213, dispõem sobre a ocorrência de resultado lesão de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 anos e maior de 14 anos. Já a terceira, disposta no § 2º do referido artigo, prevê a ocorrência do resultado morte.

A Lei n. 12.015/2009 decorre da triste constatação de que há grande prostituição no país envolvendo crianças e adolescentes, a qual altera o Título VI da Parte Especial do Código Penal, visando a empreender o rigor aos crimes relativos à exploração sexual. Em 2.003 foi instaurada Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), mediante requerimento da Deputada Federal Maria do Rosário (PT-RS), a qual foi designada relatora da CPMI, que teve como Presidente a Senadora Patrícia Saboya Gomes (PPS-CE), cujas atividades perduraram por um ano e, após a visita feita a 21 estados, foi elaborado relatório final, apresentado ao Congresso Nacional.

Poderemos medir os prós e contra da lei, mas acima de tudo sabemos que nossa sociedade está deixando de lado o falso moralismo e nossos legisladores estão mais atentos aos anseios da sociedade e mais preocupados com o futuro de nossas crianças, que hoje infelizmente muitas têm sua infância e inocência tolhida por conta deste tão bárbaro delito, seja o de estupro na visão da lei anterior, ou seja, o de atentado violento ao pudor tanto faz, a dor íntima é a mesma nos dois casos. E de acordo com NUCCI 2009 “dignidade fornece a noção de decência, compostura respeitabilidade, enfim, algo vinculado à honra. A sua associação ao termo sexual insere-a no contexto dos atos tendentes à satisfação da sensualidade ou da volúpia”. De fato, a junção dos dois tipos penais não trata apenas de padrões de comportamento sexual, mas de condutas que estão sendo praticadas contra a vontade da vitima.

Nessa perspectiva, com esse artigo, pretendemos analisar as mudanças que trouxeram para a sociedade atual a união dos tipos penais: atentando violento ao pudor e estupro. Além de discorremos sobre o conceito e função dos dois bens jurídicos supracitados, buscaremos ainda tentar entender se a mudança do bem jurídico “costumes” para a dignidade sexual, alterou a proteção estatal dos delitos sexuais, ou apenas mitigou a forma de atuação, tendo em vista que ainda é um tema de grande discussão entre os doutrinadores do direito penal.

2- ALTERAÇÃO TRAZIDA PELA LEI12.015/2009

Através de uma CPMI criada para a investigação de delitos sexuais contra crianças e adolescentes, percebeu-se uma elevada quantidade de crimes dessa espécie. A partir deste fato foi editada a lei 12.015/2009 onde reformulou quase que por completo o TITULO VI do CÓDIGO PENAL, inclusive o dando uma nova nomenclatura para o mesmo. A mudança do título VI do Código Penal Brasileiro de “Crimes contra os costumes” para “Crimes contra a Dignidade Sexual” através da lei n.12.015/2009 teve como motivo a necessidade de adaptação para a realidade que hoje vivenciamos. A teoria tridimensional de Miguel Reale nos ensinou que as normas são frutos da valoração da sociedade em face de um fato. E na época em que foi criado o Código Penal, mais especificamente na década de 40, a lei penal tutelava primeiramente a proteção dos bons costumes, pois a sociedade era extremamente patriarcal, além de que os costumes aqui trazidos seriam os hábitos da vida sexual que a sociedade aprovava para a época vale a pena ressaltar que a proteção deste “direito” estava acima de qualquer outro, inclusive os direitos fundamentais do individuo, que estavam sempre em segundo plano, bem como a liberdade sexual.

Contudo, os tempos são outros e vivemos em um Estado Democrático de Direito que tem como um Superprincípio a Dignidade da Pessoa Humana, onde todas as normas devem ser regidas e interpretadas com base neste princípio.

Para Fernando Capez (2012, p.01):

“Estado Democrático de Direito significa não só aquele que impõe a submissão de todos ao império da lei, mas aquele em que as leis possuem conteúdo e adequação social, descrevendo como infrações penais somente os fatos que realmente colocam em perigo bens jurídicos fundamentais para a sociedade. Sem esse conteúdo, a norma se configurará como atentatória aos princípios básicos da dignidade humana”

Agora o enfoque está na proteção da dignidade sexual do individuo, onde o mesmo tem a liberdade de escolher quem será seu parceiro ou parceira, sem que este direito seja violado e caso ocorra a violação, este bem jurídico deve estar devidamente protegido e tutelado.

Nesse contexto, há convir que para o legislador não interessa os hábitos sexuais do ser humano, se imorais ou inadequados, mas a dignidade humana deve estar em primeiro lugar.

2.1. Crimes contra os costumes X Crimes contra a dignidade sexual.

O título VI do código penal era denominado crimes contra os costumes, porém a lei 12.015/2009 alterou o nome desde título, que passou a ser chamado de crimes contra a dignidade sexual.

A mudança do título foi uma resposta às inúmeras reivindicações dos doutrinadores ao sustentarem que os crimes elencados no Título VI não atentavam contra a moralidade pública ou coletiva, mas sim contra a dignidade e a liberdade sexual das vítimas. A dignidade sexual encerra o conceito de intimidade e revela-se em harmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana – fundamento basilar da Constituição de 1988 (Art. 1º, III). (Dos crimes contra os costumes à evolução dos crimes contra a dignidade sexual ‐ As repercussões práticas da Lei 12.015/09 no Título VI do Código Penal. Ana Karina França Merlo)

A expressão costumes tinha o significado de moral coletiva, ou seja, o que a sociedade julgava como justo, correto, moral, era o que prevalecia. O conceito individual do que era moralmente correto não tinha importância.

O Código Penal de 1940 refletiu as ideologias totalitaristas de sua época, tendo a disciplina dos crimes sexuais sido marcada pela “visão vetusta dos hábitos medianos e até puritanos da moral vigente”. O enfoque arcaico e machista sobre as mulheres, típico do século XIX, foi mantido, continuando elas a serem vistas “como um símbolo ambulante de castidade e recato, no fundo autêntico objeto sexual do homem.”

A lei penal da década de 1940 procurava, portanto, guarnecer a figura feminina, procurando defender sua “honra” e cuidando, dessa maneira, da fragilidade de que se revestiam as mulheres. Por essas razões, homens e mulheres recebiam tratamento legislativo diferenciado, uma vez que as consequências dos crimes sexuais às mulheres eram mais gravosas do que para os homens. Corroborando o sobredito, Hungria menciona que “O valor social do homem é muito menos prejudicado pela violência carnal do que o da mulher, de modo que, em princípio, não se justifica, para tratamento penal, a equiparação dos dois casos.” (ANÁLISE DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA QUANTO AOS CRIMES SEXUAIS À LUZ DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO- Bartira Soldera Dias)

Destarte, a pretensão estatal consistia em manter as normas jurídicas atreladas “à ideia-força de tutela dos costumes.” Por essa razão, noCódigo Penal de 1940, o título destinado ao tratamento dos crimes sexuais foi designado “Crimes Contra os Costumes”. O vocábulo costumes significava, de acordo com Hungria, os “hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática ou, o que vale o mesmo, a conduta sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais”. Noronha, a seu turno, acrescenta que costumes “deve ser entendido como a conduta sexual determinada pelas necessidades ou conveniências sociais”, o que equivale dizer, em outras palavras, que a lei penal visava tutelar “a preservação do mínimo ético reclamado pela expediência social em torno dos fatos sexuais.” (ANÁLISE DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA QUANTO AOS CRIMES SEXUAIS À LUZ DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO- Bartira Soldera Dias)

Hoje vivemos em um Estado democrático de direito, onde o princípio da dignidade da pessoa humana é o fundamento da República Federativa do Brasil de acordo com a Constituição Federal de 1988. Então, a Lei12.015/2009 adaptou o nome do título VI do código penal à realidade que vivenciamos. Hoje o que importa é o conceito individual de cada pessoa em relação à disposição de seu próprio corpo. Todos tem o direito de escolher o parceiro que quiser para se relacionar sexualmente. Dessa forma, a expressão costumes já está ultrapassada no código penal e necessitava de uma revisão assertiva mediante os fatos atuais da sociedade.

Essa mudança do título VI nos remete à Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. Este nos informa que o Direito é fato, valor e norma. Ou seja, deve existir um fato social, onde a este é dado um valor axiológico, positivo ou negativo, pela própria sociedade, e após isto, cria-se a norma jurídica, a fim de atender a esses anseios.

As mudanças legislativas ocorridas no Brasil, no que concerne aos crimes de natureza sexual, foram fruto das modificações dos valores da Sociedade a respeito dos comportamentos sexuais que mereciam a tutela penal do Estado. Como visto anteriormente, consideravam-se comportamentos perniciosos, a princípio, os atos sexuais que violassem a moral da sociedade, isto é, as condutas sexuais não adaptadas às conveniências e disciplinas sociais. Com o passar do tempo, tais comportamentos ganharam um novo significado, passando a dizer respeito às condutas sexuais que afrontassem à dignidade da pessoa humana. Foi, portanto, por meio da transformação dos valores sociais que o tratamento jurídico dispensado aos delitos de ordem sexual ganhou uma nova roupagem. (ANÁLISE DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA QUANTO AOS CRIMES SEXUAIS À LUZ DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO- Bartira Soldera Dias)

Com efeito, as normas jurídicas correspondem àquilo que a sociedade considera importante em um determinado período. Por conseguinte, é a partir da valoração dada a determinados comportamentos (fatos), durante uma época específica, que as normas jurídicas se transformam e adquirem novos contornos. É possível perceber que a norma jurídica reveste-se de um núcleo axiológico que é fruto dos compromissos éticos eleitos por uma sociedade em determinado período e local. (ANÁLISE DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA QUANTO AOS CRIMES SEXUAIS À LUZ DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO- Bartira Soldera Dias)

3- ANÁLISE DA LEI

3.1. União de dois tipos penais e o abolitio crimini

Para entendermos a união dos dois tipos penais sentimos a importância de pontuar como era visto o crime de estupro e o atentado violento ao pudor antes da lei 12. 015/2009 e fazermos uma análise após a mesma.

Crime de estupro

Art. 213: Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena: – reclusão de seis a dez anos.

Crime de atentado ao pudor

Art. 214: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal

Pena: reclusão, de seis a dez ano

O estupro e o atentado ao pudor antes da lei 12.015/2009, estavam dispostos no titulo VI dos crimes contra os costumes, no capítulo I Dos crimes contra a liberdade sexual. Em um primeiro momento observamos que o próprio título já trás a menção de costumes, como algo determinando pela sociedade da época e como bem disse Hungria (1956, p.103) “os hábitos de vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale mesmo, a conduta sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais”. Dessa forma, ficava a critério podemos assim dizer da vítima ou do meio em que vivia, o que seria crime contra os costumes.

Ressaltamos que nesse contexto o estupro, seria o núcleo de o tipo penal constranger a mulher mediante violência ou grave ameaça, assim, seria necessário a penetração do pênis na vagina de forma forçada e não consentida, dessa forma, só a mulher poderia ser estuprada.

Todavia, no crime de atentado ao pudor qualquer pessoa poderia ser vítima, e se referia expressivamente ao ato de constranger alguém em praticar atos libidinosos, quer seja por violência ou grave ameaça. Isso quer dizer que qualquer ato que despertasse a satisfação do libido era considerado atentado ao pudor.

Nesse contexto, quem praticava o estupro e o atentado ao pudor respondia por dois crimes e cumpria a somativa das penas. Para Fernando Capez (2007):

“Conjunção carnal nos termos do artigo, é somente a cópula ou seja, a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher. Não se compreendem nesse conceito outras formas de realização do ato sexual, considerados coitos anormais, por exemplo a cópula oral ou anal. Tais atos sexuais poderão constituir o crime de atentado violento ao pudor. Desse modo, aquele que constrange outrem, do mesmo sexo ou não, a praticar com ele ato libidinoso diverso da conjunção carnal pratica o crime do artigo 214.”

Nessa perspectiva, ao analisar a lei 12.015/2009, é fácil entender que apesar da mesma ter revogado o artigo 214 do código penal, que na sua letra trazia o atentado ao pudor, no artigo 213 o prever apenas com alteração da sua redação, conforme descrito abaixo:

Art. 213: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso

Pena: reclusão, de seis a dez anos.

Assim, não houve o abolitio criminis, que é a causa extintiva de punibilidade, dispondo que pela retroatividade da lei que não mais considera o fato criminoso. Ou seja, quando a lei nova deixa de considerar como infração o que era anteriormente tido como ilícito penal.

Nesse contexto podemos afirmar que com a lei 12.015/2009 o que ocorreu foi a união desse dois tipos penais: estupro mais atentado violento ao pudor, haja vista que a conduta continua sendo criminosa e punitiva, porém ao nosso ver tornou-se benéfica para o agente haja vista que responderá por um único crime e com pena reduzida, quando deveria ocorrer a somativa das penas, afastando assim o concurso de crimes. Além do mais poderá ocorrer o novatio legis in mellius, que é a retroatividade da lei, onde os réus já condenados em concurso formal poderão ter a pena revista.

3.2. Sujeito ativo e sujeito passivo

Estupro crime de mão própria (se referia de sujeito ativo homem) e de crime próprio (sujeito passivo mulher), COM A Lei 12.015/09 o estupro passa a ser um crime comum (tanto a mulher como o homem poderão ser sujeitos ativos ou passivos).

3.3. Reconhecimento da continuidade delitiva

Quanto ao crime continuado, consta do Código Penal:

Art. 71 – “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”

Parágrafo único – Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código

Para Cleber Masso

“crime continuado, ou continuidade delitiva, é a modalidade de concurso de crimes que se verifica quando o agente, por meio de duas ou mais condutas, comete dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, local, modo de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro.”

Entretanto, explica o ministro César Peluzo que o novo artigo 213 “descreve e estabelece uma única ação ou conduta do sujeito ativo, ainda que mediante uma pluralidade de movimentos. Há somente a conduta do agente de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça”. Outrossim, “é de vital importância observar que o constrangimento é dirigido a que a vítima pratique ou deixe que com ela se pratique atos libidinosos, sejam eles de qualquer espécie, seja através de conjunção carnal, seja através de coito anal, seja através de felação etc., já que tais modalidades nada mais são do que espécies do gênero ato libidinoso, e, tanto isso é verdade, que o tipo penal em questão é explícito ao mencionar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a confirmar, pois, tal afirmação”.

Dessa forma, por serem crimes da mesma espécie, pela nova lei, se as condutas forem praticadas nas mesmas circunstâncias (condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes), deve-se reconhecer a existência de crime continuado, até mesmo, retroativamente, se for o caso, por ser a Lei 12.015/09 mais benéfica.

Para caracterizar o crime continuado devem estar presentes os seguintes requisitos:

• Mais de uma ação ou omissão

• A prática de dois ou mais crimes da mesma espécie

• Condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhante

• Os crimes subsequentes dever ser havidos como continuação do primeiro.

É cabível para o reconhecimento da continuidade delitiva, sendo possíveis três hipóteses:

HIPOTESES DE RECONHECIMENTOS DA CONTINUIDADE DELITIVA APLICAÇÃO

O agente pratica vários estupros nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes contra a mesma vitima CP, art. 71 caput

o agente pratica vários estupros nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar, modo de execução e outras contra vítimas diversas Parágrafo únicodo art. 71 CP

o agente pratica vários estupros (mais de uma ação) em circunstâncias diversas de tempo, lugar, modo de execução e outras contra vítimas diferentes CP, art. 69

3.4. Quadro comparativo

Algumas Mudanças com a LEI 12.015/09

Antes da Lei 12.015/09 Depois da Lei 12.015/09

Se o sujeito ativo, em um mesmo contexto fático, praticasse o estupro e o atentado violento ao pudor contra uma determinada vítima, estaríamos diante da prática de dois crimes distintos, em concurso material Duas condutas foram convertidas em um só crime de ação múltipla ou conteúdo variado. Logo, se num mesmo contexto fático o sujeito ativo mantiver conjunção carnal violenta com a vítima, vindo em seguida a praticar com ela outro ato libidinoso, ele responderá por um só crime

Legalização do aborto sentimental apenas para aborto Abordamento sentimental para estupro em sentido amplo

Estupro crime de mão própria (se referia de sujeito ativo homem) e de crime próprio (sujeito passivo mulher) Estupro passa a ser um crime comum (tanto a mulher como o homem poderão ser sujeitos ativos ou passivos)

Crimes de estupro e de atentado violento ao pudor eram qualificados se da violência resultasse lesão corporal grave ou morte Estupro em sentido amploqualifica o crime se a vítima é menor 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) ano

Art. 223 previa a pena de reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos, se da violência resultasse lesão corporal de natureza grave, referia-se apenas a violência Física. A lesão grave qualifica o crime de estupro pouco importando se foi advinda da violência física ou da grave ameaça.

se do fato resulta a morte: pena – reclusão, de 12 a 25 anos se da conduta resulta morte: pena – reclusão, de 12 a 30 ano

* O Art. 215 inovou ao incluir a conduta através de “outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima” -temor reverencial ( simples ameaça)

* A inclusão do § 2o estabelece que “a pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos”. Vale salientar que o sujeito ativo deve ter ciência da idade da vítima

Estupro de vulnerável – o agente que praticasse estupro ou atentado violento ao pudor com uma vítima de 13 anos responderia pelos respectivos crimes na modalidade qualificada pelo Art. 224 (presunção de violência). Caso o agente empregasse violência real contra esse menor, responderia somente pelos antigos artigos 213 ou 214, sem a incidência da majorante Estupro de vulnerável- se o agente mantiver conjunção carnal ou outro ato libidinoso com uma vítima de 13 (treze) anos, a pena será de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, pouco importando se houve violência ou grave ameaça.

* Estupro de vulnerável- pratica-se o ato com o menor, seja tendo comportamento ativo ou passivo – o agente praticando “no” menor ou, ainda, o menor praticando “nele”

* O legislador foi omisso na tipificação do crime para a vítima que tem idade igual a 14 (catorze) ano

4. CONCLUSÃO

Com base nos estudos realizados, concluiu-se que a lei nº 12.015\2009 em seu artigo 7º ao revogar o artigo 214 do Código Penal brasileiro, que previa a figura típica do atentado violento ao pudor e incorporar a conduta que era prevista no artigo 213 do Código Penal como estupro, não deixou, porém, de ser crime, pois o ordenamento penal continua a prever a conduta como penalmente relevante. Não houve, portanto, o abolitio criminis.

Dessa forma, o título VI do código Penal brasileiro, que era “Dos crimes contra os costumes” adotou uma nova nomenclatura passando a ser “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Esta nova denominação traduz a preocupação do legislador com a dignidade sexual como projeção da própria dignidade da pessoa humana, sendo esta o núcleo de todo Ordenamento Jurídico.

Nessa perspectiva, com a unificação das duas condutas em uma mesma figura delitiva, impõem-se reconhecer, que são crimes da mesma espécie, pois integram o mesmo tipo penal e atentam contra o mesmo bem jurídico, porém, preenchidos os requisitos do artigo 71, caput do Código Penal para que possa ser reconhecida a continuidade delitiva e afastado o concurso material. O reconhecimento do crime continuado garante que se no mesmo contexto, contra uma única vítima, o agente praticar conjunção carnal e outros atos libidinosos responderá por dois estupros em continuidade delitiva. Não estando presentes os requisitos necessários para caracterizar a continuidade delitiva, haverá concurso material onde o agente responderá pelos crimes somando-se as penas de cada um.

A citada lei quando faz essa incorporação do artigo 214 ao artigo 213, leva a norma ao patamar de mais benéfica, podendo esta ter o efeito ex tunc para beneficiar o réu.

Há de se observar que não é um tipo qualquer de moral que deve ser tutelado, mas a dignidade humana.

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